***crítica da revista época***
Benjamim não está triste, mas parece que sua vida não caminha na mesma velocidade que a trupe com a qual viaja de cidade em cidade. Ele está inerte, não esboça qualquer tipo de sentimento ou expressão, exceto quando está no picadeiro. Benjamim é o palhaço Pangaré e, tal qual seu pai, Valdemar/Puro Sangue, faz a plateia rir. Mas ninguém o faz rir. Ele não tem mais certeza de que deseja seguir a carreira do pai. Ele está em busca de sua identidade.
Este é o argumento de O palhaço, segundo filme dirigido por Selton Mello – que atua como o protagonista – .Ele ofereceu o papel a Rodrigo Santoro e Wagner Moura, que adoraram o roteiro, mas não puderam aceitar por conta de outros compromissos profissionais. O personagem não poderia ser de outra pessoa: Selton interpreta Pangaré com toda pureza e sensibilidade que o personagem precisa ter para conquistar o público. Esta é a vantagem de dirigir a si mesmo.
A vontade de fugir do clássico Os palhaços, de Frederico Fellini, o levou em direção a outros dois clowns: o Vagabundo, de Charles Chaplin, e Didi Mocó, de Renato Aragão. “É uma grande homenagem à nossa profissão”, diz o diretor, que atua ao lado de Paulo José, amigo e vizinho de longa data. A dupla é a representação do artista em seu estado mais primitivo, bruto. No elenco há tanto atores experientes no cinema como novatos. Dos estreantes na telona Renato Macedo, Larissa Manoela e a estonteante Giselle Motta às participações especiais e hilárias do veterano Moacir Franco, que se diz injustamente esquecido pela imprensa, e de Ferrugem. Essa mistura toda surpreende: é divertida e também emociona.
“O filme causa um encantamento, uma elevação do espírito. Estava faltando um filme assim no cinema brasileiro”, diz Selton. Ele está certo: O palhaço não tem os elementos tradicionais do cinema nacional – violência ou pobreza, por exemplo. E pode se tornar um sucesso de bilheteria mesmo sendo tão sutil. Seria uma quebra de paradigma do gênero da comédia.
Benjamim é aficionado por ventiladores – que se tornam personagens do filme “A gente está muito monotemático, tratando o cinema com dureza. E os sonhos? E a delicadeza, a fantasia, a imaginação?”, pergunta o diretor, questionando os rumos do nosso cinema. Seu filme não é datado de propósito porque é universal – e, por isso, fala com qualquer público. Ainda assim, não foi pensado para o espectador estrangeiro, segundo o diretor. A atmosfera lembra um pouco os filmes de ciganos, sérvios. E Selton Mello não esconde sua admiração pelo diretor Emir Kusturica, da Sérvia. A fotografia é marcada por cores fortes e paisagens de vales e montanhas – registradas no Parque Nacional da Ibitipoca, em Minas Gerais. Cidades como Passos, Lavras do Sul e Montes Claros são homenageadas – a terra natal de Selton, Paulo José e a produtora Vânia Catani, respectivamente.
Benjamim é aficionado por ventiladores. Será pelo movimento circular infinito? Será pela brisa que ele emana? Ou pelo movimento hipnótico de suas abas? Ou, então, por rodar, rodar e rodar e não sair do lugar? Selton Mello prefere deixar esse assunto em aberto. Cabe ao público descobrir por que este eletrodoméstico também é um personagem do filme.
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